segunda-feira, 16 de maio de 2005

Eu estava de saco cheio de uma cidade onde não se vê gente nas ruas no domingo à tarde. Andava há mais de hora, eu e meu amigo João, por ruas quase desertas - rimos do fato de estarmos na porta de entrada para o Oeste norte-americano, numa cidade quase fantasma: uma parte de Saint Louis é um set perfeito para a versão moderna dos westerns onde venta em ruas vazias, com casas de portas e janelas cerradas, sacos plásticos vazios rolando com o vento no meio do asfalto. Andávamos quadras e quadras sem ver viva alma.

Até chegarmos ao Grand Center. Ali havia gente. Café aberto, teatro lotado. Continuamos rindo de coisas - pessoas esquisitas, gatos, cachorros, american way of life. E andamos um pouco mais, até a igreja Saint Francis Xavier, onde paramos na esquina. Em frente à igreja, ali sim, havia gente.

Umas 15 pessoas - não mais - em vigília. Manifestavam-se contra a guerra, com velas nas mãos, em pé nas escadas, abaixo delas um senhor segurava um microfone e fazia funcionar um pequeno equipamento de som de onde vinha uma música meio melosa. Nas mãos, as pessoas seguravam papéis com números escritos e na avenida em frente, a sinal abria e fechava, os carros paravam, alguns motoristas olhavam e uma das manifestantes fazia o sinal de paz e amor.

Ficamos ali na esquina até o final da vigília. Quando a música silenciou e as pessoas começaram a sair da escada da igreja, fomos ver o que significavam os números e falar com aquela gente. O que passou em seguida não sei descrever nem explicar, mas fomos acolhidos naquela força e compartilhamos aquela dor, que também era nossa e talvez tivéssemos esquecido por um tempo. Ali nós choramos - e choramos de verdade - abraçados à Mary, uma senhora miúda de cabelos brancos. Uma criatura enorme, junto com seus companheiros que se reúnem em frente à Saint Francis Xavier Church todos os domingos, desde o 11 de setembro, pra dizer "Not in our names". Conversamos com Mary, Mark, Deborah, e foi muito difícil sair dali, de verdade. Difícil dar as costas e andar pra longe daquele grupo. Difícil entender o que passou, difícil esperar o ônibus no vento, difícil segurar o choro mesmo depois de atravessar a rua.

Antes de irmos, ouvimos da Mary: vocês sempre estarão conosco nesta esquina, daqui pra frente.

Isso foi fácil de entender. Posso atravessar o oceano, quantos forem. Passar o tempo, passar pelo tempo, ficar de cabelos brancos como aquela senhora - vou continuar naquela esquina. Definitivamente, uma parte de mim ficou ali e uma nova versão de mim saiu dali. Uma versão mais inteira, melhorada. Abduzida do lugar do julgamento. Orgânica.

Grande Saint Louis.