Me interessa demais o pós-morte. Gostaria muitíssimo de encontrar mais pessoas pós-mortas. Um dia, vou enviar cartas do pós-morte para pessoas queridas, que amo, mas que ainda não aprenderam a morrer.
Lamento às vezes pelos quase-vivos...e aí estou incluída, nos dias de esquecimento. Se eu fosse um pouco mais religiosa, acenderia velas por todos os quase-vivos. Uma vela roxa pela ambição quase-viva de permanência, de segurança, de estabilidade. Uma vela amarela pelo desejo quase-vivo de reconhecimento e respeito...ah, o respeito! Uma vela azul-marinho pela mediocridade dos dias sem susto e sem improviso, aqueles dias bem conhecidos dos quase-vivos - dias de pisar nas florezinhas do caminho, nos quereres, nos sonhos, nos ex-amores, ex-mestres, ex-amigos.
Uma vela negra pela quase-vida dos que se crêem - ou se pretendem - importantes e uma mini-vela escarlate por cada palavra e gesto quase-vivo de tentar impressionar.
Deveria ser criado o dia dos ex-mortos, um dia depois do dia de nenhum santo, do dia de todos os pecadores, ou do dia de todos os esquecidos. Seria um dia de gargalhadas intermináveis, de cânticos que nos fizessem dançar, de farra, mesmo. Daquelas, bacantes, cujo superego dos quase-vivos não hesitaria em condenar. Não seria necessariamente uma festa da carne, mas seguramente uma festa da vida pós-morte em vida. De carne, osso, fruto e espírito, alma e consciência, sexo manifesto e imanifesto, fome e saciedade de tudo que é verdadeiro e efêmero. A festa da presença, a festa do agora.