sexta-feira, 24 de agosto de 2001

Ela se virou na cama muito disposta a se permitir mais cinco minutos de sono, quando sentiu um volume inesperado contra o colchão. Sequer abriu os olhos, tateou pra ver o que era...bateu o pânico. Seu seio estava enorme. Três vezes o tamanho normal. Pensou em doença, em distúrbio hormonal durante a noite, em algum pesadelo esquisito, em visita da fada madrinha. O peitão continuava lá, e - o que é pior (ou melhor, mais provavelmente) eram os dois, grandes e duros.
Pulou da cama, arrancou a camiseta e fechou a porta do quarto, pra que ninguém descobrisse a novidade esquisotérica antes que lhe ocorresse uma explicação plausível. Também porque era o maior espelho da casa, aquele de trás da porta. Não deu tempo de avaliar os novos peitos. Parou - congelou - olhando para a própria cara, irreconhecível. Sua boca estava delineada com um lápis marrom e os lábios cintilavam no batom dourado. Os olhos....e isso eram olhos? Sobravam pestanas, os tufos de cílios postiços enormes, fizeram-na lembrar da infância, quando tinha medo de uma caixinha com pestanas pretas de mentira que a mãe guardava na gaveta do banheiro, junto com um tubinho micro de cola. Pois agora estavam lá, penduradas nas suas pálpebras.
Pensou em tocar na imagem refletida, mas quando aproximou a mão do espelho descuidadamente, as unhas estalaram contra o vidro. Tão grandes, que a ponta dos dedos não sentiam o frio do espelho. Aquelas eram garras, e estavam pintadas com uma cor intraduzível, com glitter por cima.
Ergueu a sombrancelha - agora finíssima e muito arqueada, tão fake quanto o resto, rabiscada sem vergonha. O que se passava, afinal? Quem era aquela figura esquisita tomando conta do seu pedaço?
Não teve tempo de esperar uma resposta - a empregada entrou sem cerimônia, colocou uma bandeja com café e comprimidos em cima da cama e deu bom-dia sem espanto.
-Aparecida? (ARGH! O que aconteceu com a minha voz????)
- Que é que houve, patroa?
- Você não tá me achando estranha? (a voz continuava errada, como se estivesse se curando de uma faringite)
- Tô não senhora. Tá sentindo bem?
- Aparecida, você não tá vendo a minha cara? Não tá ouvindo essa voz esquisitona? Tá vendo esses peitões, que coisa estranha??
- Ih, dona Arlete, a senhora tá em crise de novo? Quer um chazinho no lugar do café? Já sei, a batalha ontem foi ruim.
- Arlete? Batalha? Aparecida do que é que você tá falando?
- Tá bom, já entendi. Vou lá na rua, buscar sua bota de pelúcia azul no sapateiro, e trago um Calminex na volta, tá? Enquanto isso a senhora fica quietinha aí.
- Aparecida, tá tudo muito errado! Tá tudo muito estranho!!
Não deu tempo de falar mais nada. Aparecida saiu e levou junto um poodle que ela nunca tinha visto na vida.
Pensou em voltar para a cama para tentar acordar de novo, com as coisas como eram antes. Pensou em chorar.
Pensou....pensou...hesitou...deu outra espiadinha no espelho. De cima até em baixo.
- Se eu chorar, vai descolar minhas pestanas.
.....suspiro....
- Acho que virei um travesti.
Não teve coragem para conferir o que tinha por baixo da samba-canção de seda púrpura. O cheiro de Chanel nº 5 que exalava dos - agora longos e louros - cabelos estava a deixando inebriada.
- É isso. Arlete...peitões de silicone...bota de pelúcia azul...É, nega. I will survive.