sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

A água tá cara. E vai ficar mais ainda. A lata dela tá cheia. Equilibrada na cabeça, não desperdiça nenhuma gota, por mais sacolejo inesperado ou remelexo proposital. Não cai um pinguinho da lata da nêga, plena até a borda, cintilante quando bate sol.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

Nã há incômodo nenhum em sambar na chuva. Sequer uso solas antiderrapantes, porque faz parte do meu show o swing inesperado em busca do equilíbrio - e até o estabaco, quando é o caso. Não pode dizer que sabe sambar quem tem medo de cair.
A fantasia encharcada também não me amola. Se as penas murcham, as lantejoulas descolam e os cetins grudam no corpo, a gente canta o samba mais alto. Afinal, nasci berrando e sem fantasia...Nada como um rebirthing na avenida.
A chuva traz um efeito especial imprevisto e lindo. Quando a água toca a pele de quem, de fato, ferve na passarela, sai fumaça. Então ficam, os seres em ebulição, cercados da aura de vapor - quase inefáveis.
E aí, mais do que nunca, eu converso com Deus.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

Comprei um pão a metro, meio metro de bordado inglês pra uma toalha de rosto, corri quilômetros esta semana e devo ter diminuído uma polegada na cintura.
Talvez eu me sentisse mais bacana se tivesse mais cinco centímetros de altura. Mas não há de ser nada. Tenho cada salto assim, Ó!

Tinha uma nêga que tinha um tamborim e um chicotinho de bater tamborim que enlouquecia a bateria inteira. Não porque fôsse exímia em nada - nem no samba, nem no batuque.
Mas é que ela inventava. Em cima da plataforma, fazia de tudo. E as percussões, os passistas, os mestres apitantes e os destaques dos píncaros, ficavam todos irritados. Tudo hesitava e se descontrolava quando a nêga cismava de inventar. Era um passo esquisito, um repique solitário, fora de hora, uma frase que não existia no samba. Era assim que ela sabia o Carnaval. E o resto, se aturdia.
Tinha gente que pensava que ela era louca e se incomodava com os imprevistos da nêga.
Ela nunca se amolou. Não tinha medo. Era feliz, e bem o sabia.