Muitas vezes, quando me deito para dormir, na tela dos meus olhos
fechados aparece uma lua cheia. Ela baila no alto do canto esquerdo do
meu cinema particular, permanece quieta enquanto os traillers se sucedem
– dia bom, dia ruim, e por quê? – e eu, caindo de costas no escuro,
esqueço que existe um botão para trocar de canal. Muitas noites eu durmo
à luz dessa lua plácida, paciente no seu canto, enquanto as imagens sem
controle pipocam, crescem e fenecem. Essa lua me nina, seus murmúrios
me trazem vozes atemporais.
Quando criança, eu cantava para a lua canções ensinadas pela minha avó – sobre pastorinhas, estrelas, amores. Cantei sem vergonha por muitos anos, mas acreditei nos aplausos e me deixei magoar pelas críticas. Cantei bonito e cantei desafinado, cantei letras que eu não entendia, cantei em línguas inventadas. Às vezes, alguém atordoado em casa me pedia para parar, ou para cantar baixinho. Então aprendi a cantar baixinho.
Mais adiante, enquanto a lua gerava em mim anseios novos, passei a cantar mais dentro da minha cabeça. Funcionava quase sempre, mas quando a angústia tomava corpo, eu fechava a porta do quarto e acompanhava o Freddie Mercury em todos os seus tons. Eu e Mercury fomos um, under pressure, finding somebody to love, spreading the wings to fly away, desistindo de viver para sempre, ousando amar para sempre. Para algumas perguntas de Mercury, eu tinha respostas. Me orgulhava disso.
Veio o tempo em que a lua marcou mais que concretamente seu ciclo e passei a murmurar mantras para pequenas criaturas que vieram me ensinar sobre milagres, magia e a extrapolação de limites. Minha matéria – mater – fez sentido integralmente e a lua banhou noites insones e felizes. Embalando, chamei os nomes de Govinda, Gopala, Krishna. Sob a luz tênue que sempre se insinuou pelas janelas das casas em que vivi, testemunhei a paz plantada nos berços.
Em um momento de aparente interpolação das fases lunares, de confusão sobre o ciclo, fui buscar a ordem no caos e cantei assumidamente de novo, como aos três anos de idade: no coral do Instituto Philippe Pinel, eu fiz sentido. Cantei no Natal, cantei nas igrejas, cantei no hospital psiquiátrico. Experiências míticas, imaginando all people com John Lennon e praising the Lord como se faz nas plantações da República dos Camarões. Descobri que em grupo dói menos desafinar. Descobri que em grupo minha voz se fortalece. Descobri que em grupo faço mais bonito – e aí passei a esperar menos o aplauso e a receber quase serenamente as críticas.
Faz anos que eu não canto assumidamente. Sempre que posso, ensaio - agora com novos amores no colo, em tardes que reservo para encontrar quem eu sou, entoo os antigos mantras para ninar e a trilha do Show da Luna para alegrar. A Luna alegra sempre. Me vejo cercada de meninas – as pequeninhas e as jovens, as mães e as avós - que me ensinam a ser grande. Depois que a algazarra arrefece, quando volto para o meu cinema – dolby stereo, particular - a lua se insinua, a princípio silente. Paira quieta e incandescente no canto esquerdo do meu lobo frontal, antecipando (às vezes com um ínfimo de nota) qual é a próxima música e me incitando a cantar em público, sem dor maior. Começo a esboçar um solfejo – é Martinho da Vila. A vida vai melhorar.
Feliz Natal, feliz 2016.
Em 24 de dezembro de 2015.
Quando criança, eu cantava para a lua canções ensinadas pela minha avó – sobre pastorinhas, estrelas, amores. Cantei sem vergonha por muitos anos, mas acreditei nos aplausos e me deixei magoar pelas críticas. Cantei bonito e cantei desafinado, cantei letras que eu não entendia, cantei em línguas inventadas. Às vezes, alguém atordoado em casa me pedia para parar, ou para cantar baixinho. Então aprendi a cantar baixinho.
Mais adiante, enquanto a lua gerava em mim anseios novos, passei a cantar mais dentro da minha cabeça. Funcionava quase sempre, mas quando a angústia tomava corpo, eu fechava a porta do quarto e acompanhava o Freddie Mercury em todos os seus tons. Eu e Mercury fomos um, under pressure, finding somebody to love, spreading the wings to fly away, desistindo de viver para sempre, ousando amar para sempre. Para algumas perguntas de Mercury, eu tinha respostas. Me orgulhava disso.
Veio o tempo em que a lua marcou mais que concretamente seu ciclo e passei a murmurar mantras para pequenas criaturas que vieram me ensinar sobre milagres, magia e a extrapolação de limites. Minha matéria – mater – fez sentido integralmente e a lua banhou noites insones e felizes. Embalando, chamei os nomes de Govinda, Gopala, Krishna. Sob a luz tênue que sempre se insinuou pelas janelas das casas em que vivi, testemunhei a paz plantada nos berços.
Em um momento de aparente interpolação das fases lunares, de confusão sobre o ciclo, fui buscar a ordem no caos e cantei assumidamente de novo, como aos três anos de idade: no coral do Instituto Philippe Pinel, eu fiz sentido. Cantei no Natal, cantei nas igrejas, cantei no hospital psiquiátrico. Experiências míticas, imaginando all people com John Lennon e praising the Lord como se faz nas plantações da República dos Camarões. Descobri que em grupo dói menos desafinar. Descobri que em grupo minha voz se fortalece. Descobri que em grupo faço mais bonito – e aí passei a esperar menos o aplauso e a receber quase serenamente as críticas.
Faz anos que eu não canto assumidamente. Sempre que posso, ensaio - agora com novos amores no colo, em tardes que reservo para encontrar quem eu sou, entoo os antigos mantras para ninar e a trilha do Show da Luna para alegrar. A Luna alegra sempre. Me vejo cercada de meninas – as pequeninhas e as jovens, as mães e as avós - que me ensinam a ser grande. Depois que a algazarra arrefece, quando volto para o meu cinema – dolby stereo, particular - a lua se insinua, a princípio silente. Paira quieta e incandescente no canto esquerdo do meu lobo frontal, antecipando (às vezes com um ínfimo de nota) qual é a próxima música e me incitando a cantar em público, sem dor maior. Começo a esboçar um solfejo – é Martinho da Vila. A vida vai melhorar.
Feliz Natal, feliz 2016.
Em 24 de dezembro de 2015.