sábado, 2 de janeiro de 2016


O ano novo bateu à minha porta trazendo com ele um jovem tímido, desajeitado, conhecido há anos mas esquecido de propósito, devido ao medo que sempre tive de sentar-me com ele para uma conversa.

Veio como vinha antes – empoeirado, esfarrapado, desalinhado – porque se fosse de outro modo não faria sentido. Fiz menção de explicar o motivo da minha fuga e abandono. Coisa idiota, parei a tempo e calei. Ele sabe de fugas e buscas, de abandonos e silêncios, de desepero em terras arrasadas, solidão e demora, desvairio e ilusão, ele sabe o quanto custa entrar em castelos sem saber o que fazer lá dentro. Sobre essa jornada tenho aprendido com ele, o Parsifal.

Parsifal bate à minha porta e eu abro, sem saber se mereço. Ele vem em retorno, outra e outra vez, me ensinar o que custo a aprender – e me diz, Graciela, faça as perguntas.

Parsifal me deixa recostar a cabeça no seu ombro e me acolhe, como fez com o rei ferido pela lança do desânimo. Parsifal colhe minhas lágrimas numa bolsinha e as guarda como relíquias: aqui mora uma alma. Parsifal pousa a mão sobre meu estômago, esse que aperta sempre, que anseia. Parsifal voltou hoje de manhã, às 5:47, pra me perguntar: onde dói? Dói no peito, eu respondi. Parsifal já sabia, mas perguntou assim mesmo. Sua generosidade me apaziguou e me garantiu um sono profundo, reparador. Na minha cabeceira, há sempre um cálice, porque eu acordo com sede. Comecemos de novo.