O ano novo bateu à
minha porta trazendo com ele um jovem tímido, desajeitado, conhecido
há anos mas esquecido de propósito, devido ao medo que sempre tive
de sentar-me com ele para uma conversa.
Veio como vinha antes –
empoeirado, esfarrapado, desalinhado – porque se fosse de outro
modo não faria sentido. Fiz menção de explicar o motivo da minha
fuga e abandono. Coisa idiota, parei a tempo e calei. Ele sabe de
fugas e buscas, de abandonos e silêncios, de desepero em terras
arrasadas, solidão e demora, desvairio e ilusão, ele sabe o quanto
custa entrar em castelos sem saber o que fazer lá dentro. Sobre essa
jornada tenho aprendido com ele, o Parsifal.
Parsifal bate à minha
porta e eu abro, sem saber se mereço. Ele vem em retorno, outra e
outra vez, me ensinar o que custo a aprender – e me diz, Graciela,
faça as perguntas.
Parsifal me deixa
recostar a cabeça no seu ombro e me acolhe, como fez com o rei
ferido pela lança do desânimo. Parsifal colhe minhas lágrimas numa
bolsinha e as guarda como relíquias: aqui mora uma alma. Parsifal
pousa a mão sobre meu estômago, esse que aperta sempre, que anseia.
Parsifal voltou hoje de manhã, às 5:47, pra me perguntar: onde dói?
Dói no peito, eu respondi. Parsifal já sabia, mas perguntou assim
mesmo. Sua generosidade me apaziguou e me garantiu um sono profundo,
reparador. Na minha cabeceira, há sempre um cálice, porque eu
acordo com sede. Comecemos de novo.