sábado, 2 de janeiro de 2016

Não existe mais estação, o tempo é todo mudança. Há vinte e um anos ouvi sobre isso, sobre um tempo em que tudo que nos restaria seria o fazer das mãos, um futuro feito à mão, é disso que se trata o hoje. Que sejamos atentos ao que passa – mais que o tempo, fluxos e espasmos quase invisíveis, para os quais a maioria dos meus parceiros humanos não liga.

Em plutão há geleiras exóticas, uma sonda chamada novos horizontes envia fotos de glaciares e neblinas que sugerem mudança do tempo. Há anos olho para Plutão – nada de Sputnik me assombra. O tempo de plutão é o tempo do meu pulso, acordo e durmo ciente deste minúsculo longínquo fazendo sombras sobre meus dias de sol e noites de lua, sobre um mercúrio febril que se disfarça de plácido desde que cheguei aqui, há quase cinquenta anos. 

Simples assim – não há placidez nos gelos de plutão. Não é só sobre os meus cabelos que esse vento sopra, não é so os meus cílios que ele congela. Do mesmo jeito que a morte, o frio de plutão nos move a todos – pessoas, samambaias, sonhos e formigas. Que sejamos atentos ao que passa - no meio do mundo, um calor senegalês em tempos de sibéria. Isso é raro, sejamos atentos. É tempo de fazer o pão, cuidar das miudezas, fritar bem um ovo e admirar-se, beijar os velhos, honrar a mãe. É tempo de morte e isso não deveria assustar. Em tempo de morte, tratemos de coser bem as mortalhas e cavar buracos na terra como úteros, porque nas massas de tecidos em terra úmida tudo é germinar.

É tempo de plutão com suas neblinas familiares – retratos de complexidade já não deveriam causar espanto. Cuidemos do pulso, acolhendo expansão e retração como acolhemos o sono, a fome, a saudade: no melhor dos dias, satisfazendo-nos com a simplicidade. No pior, olhando para o céu com esperança.